sexta-feira, 27 de agosto de 2010

ABRA NOSSOS OLHOS, SENHOR!

As pessoas têm usado os textos bíblicos como pretextos, sem conferir os contextos, para enxergar aquilo que elas querem ver.

Atualmente o cristianismo, de uma maneira positiva, se encontra no ápice de sua trajetória desde seu início há mais de 2000 anos. Sua universalização torna-se real e deixa de ser um mero sonho utópico. Está presente na maioria dos países, etnias e classes sociais, e sua força missionária está em expansão. No entanto, o cristianismo atual tem enfrentado sérios desafios e obstáculos, tanto externos quanto internos.

Outro dia, navegava pela internet e me deparei com um site muito interessante, em que se encontravam diversos textos de articulistas evangélicos. Nele, pude encontrar arquivos de um escritor que eu gosto muito, chamado Ricardo Gondim. Dentre os vários textos desse teólogo, encontrei uma carta intitulada “Estou Cansado!”. Esta contém um desabafo a cerca do caminho que o evangelho está tomando e quão difícil é ver tudo isso e estar de mãos praticamente atadas. Pude refletir a cerca da conduta da igreja de Cristo nos dias atuais e, pra falar a verdade, me fez perceber que às vezes também me sinto fatigado.

O pastor Ricardo tem seus motivos e muitos deles eu compartilho, como por exemplo a luta constante para desmistificar e retirar o estereótipo do “crente” com relação ao dízimo, à falta de cultura, vendas de terrenos celestiais, etc. Entretanto, me canso mais com as “doenças” que invadem a igreja evangélica no Brasil. Na verdade as “enfermidades” da igreja são as “enfermidades” do mundo que nos contaminam. Não desse mundo num sentido maniqueísta(igreja versus mundo), mas como toda realidade na qual somos expostos nos dias de hoje.

Nós, a igreja de Cristo, estamos sendo contaminados com males que trazem conseqüências desastrosas, entre estes, o individualismo. Se você está dizendo a si mesmo que nunca sofreu, ou mesmo não sofre desse mal - cuidado! -, você pode estar num estágio mais avançado dessa “doença”!

Você já notou como usamos uma validação individualista dos processos espirituais? Vou ser mais específico: Dizemos que o culto foi bom se eu me senti tocado; o louvor foi bom se me emocionei; minha igreja é boa se eu me sinto bem. Após ouvir isto você deve estar se propondo: “A partir de hoje vou louvar diferente, vou ouvir a Palavra diferente, vou mudar minha atitude”. O problema está intrinsecamente neste ponto, pois pensando desta maneira(eu, eu, eu) você continua ensimesmado. Não se pode curar ego com ego!

A premissa da livre interpretação bíblica, tão valorosa, juntamente com a liberdade religiosa(inclusive o fato de cada cidadão poder fundar sua própria igreja) fez surgir um neofundamentalismo que possui uma eclesiologia débil e equivocada, baseada na sociologia e não na teologia. As pessoas têm usado os textos bíblicos, como pretextos, sem conferir os contextos, para enxergar aquilo que elas querem ver, ou seja, erram por não conhecer verdadeiramente a Palavra(Mateus 22:9).

Hoje, fragmentada de forma trágica e interminável, as denominações(mais de 20.000 só no Brasil) dilaceram o corpo de Cristo com a proliferação de distorções doutrinárias que misturam, muitas vezes, dogmas cristãos com religiões afro-brasileiras e princípios espíritas, ou seja, - um imbróglio sem precedentes!

É lamentável evidenciar que a expansão das igrejas evangélicas não levou consigo, proporcionalmente, o crescimento qualitativo. Este tem se mostrado questionável, contraproducente e até perigoso. Infelizmente, o individualismo e o expansionismo sem controle de qualidade são apenas dois dos muitos males que vêm atacando nossas igrejas.

Parafraseando Rubem Amorese à luz bíblica, digo que vivemos tempos escatológicos, em que a igreja é julgada pelo Senhor; tempos de iniqüidade, em que o amor de muitos se esfriou(Mateus 24:12). E, como o noivo parece tardar, tornamo-nos indolentes e conformados com este século, a ponto de ressoar à nossa geração a pergunta de Jesus: ”Porventura encontrarei fé na terra?”(Lc18:8).

Como o pastor Ricardo e muitos outros, eu também compartilho do cansaço. Estou cansado dos cultos de amarrar demônios ou de desfazer as maldições que pairam sobre o Brasil e o mundo, com os “sabonetes milagrosos”, as “vassouras que varrem o mal”. Entristeço-me vendo aproveitadores, usando de charlatanismo barato, para “resolver” problemas alheios, e com isso, acabam sujando o nome do Cristão evangélico. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção social perversa. Não agüento mais ver igrejas que buscam criar ambientes espirituais com gritos e manifestações emocionais, sem um mínimo de decência e ordem (1 Coríntios 14), como se isso realmente significasse a presença do Espírito Santo. Estou cansado de ver pessoas orando maravilhosamente ou cantando belissimamente no templo, mas que no dia seguinte, ao ver um irmão na rua, trocam de calçada para não ter que cumprimentar com um simples gesto de cabeça. Enfim, estou cansado de ver o corpo de Cristo ser contaminado pelas “doenças” desse mundo moral e eticamente perdido.

Esses males da sociedade hodierna adoecem os membros da comunidade da fé, que deveria ser terapêutica e agência de transformação física, espiritual e histórica. Devemos nos vigiar, fazer uma auto-reflexão e pedir a Deus que nos mostre sempre a área moral e espiritual nas quais estamos sendo omissos, ou mesmo displicentes, para que com essa renovação das nossas mentes possamos transformar o mundo a nossa volta. Mas para isso, é preciso que nos perguntemos diariamente: “Eu e a sociedade, quem influencia quem?”.

É claro que um simples artigo, escrito por um jovem colunista, não vai representar nenhuma proposta de solução para esta realidade, entretanto, penso que a esperança é uma força que nos move a lutar, não porque vai dar certo, mas porque vale a pena. Deste modo, acredito que ainda deveríamos nos fazer uma segunda pergunta: “o que a nossa geração pode fazer pela igreja evangélica hoje?”. É preciso aprofundar a nossa fé e viver a nossa vida cristã de forma íntegra, responsável e renovadora. Deus deseja para nós mais do que simples presença. Ele quer que a nossa presença faça diferença para o reino. Ele quer que o Brasil seja melhor, mais justo e mais verdadeiro em função da nossa existência, da nossa presença e do nosso testemunho.

Cayo Matheus Ferro
(escrito em novembro de 2005 e absolutamente atual)

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2 comentários:

  1. Querido Cayo, este artigo que escreveu fecha exatamente com meu pensamento sobre os valores de hoje da Igreja de Cristo , que deixaram o que diz a PALAVRA DE DEUS para ficar somente na palavra e infelismente do homem, precisamos viver o verdadeiro Cristianismo e deixar o de emoções, desculpe a expressão, baratas, para conquistar público , encher Igrejas e o verdadeiro DEUS está muito longe de tudo, mas a mudança depende de cada um de nós e podemos faze-lo, DEUS o abençoe e escreva mais , gosto de ler o que escreve...
    Edir

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  2. Este artigo o reli com prazer.Fico feliz ao vê-lo retomar algo que lhe fazia e nos fazia tanto bem.
    Continue,os leitores estão a postos.
    Deus o abençõe nesta retomada,parabéns.

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